Por Dentro da Lei

Por Dentro da Lei

24 de dezembro de 2023

BOAS FESTAS!

 




Que o Natal seja um momento de paz e reflexão sobre o sentido da caridade!


Que o Ano Novo revigore esperanças e permita realizar os projetos sonhados!


Feliz Natal!

Feliz Ano Novo!







7 de abril de 2023

Sexta-Feira Santa: um ensaio à luz da fenomenologia-hermenêutica

 Qual um sentido possível hoje para se rememorar a crucificação de Cristo ?





A Sexta da Paixão é a data que relembra e indica o percurso imposto a Jesus, precedido pela flagelação, em que carrega a cruz com a qual seria crucificado no Monte Calvário. Paixão, neste contexto, significa sofrimento e a Sexta-feira  Santa seria, assim, um dia de luto e comoção.


Paixão em seu significado comum quer dizer um conjunto de sentimentos que se opõem à razão e é um termo que vem do latim arcaico "passio”. 


“Passio” era um termo importante para a escola estoica do século III a.C., porque traduzia a ideia de “perturbatio”, ou seja, tudo aquilo que perturbava a alma do filósofo, que deveria ser “impassibilis”, vale dizer, deveria manter-se livre de qualquer perturbação ou inquietação, para fazer uso da tranquilidade da razão. Desta noção deriva-se o significado hoje atribuído comumente ao termo paixão.


Todavia, “passio” deriva da expressão grega “pathos”. Para os gregos, não havia nenhuma conotação pejorativa para o termo. Não era nenhuma perturbação ou inquietação, mas indicava a ideia de disposição da alma, que hoje pode ser traduzida por sentimento, entendida como uma disposição emocional complexa, a princípio, nem negativa, nem positiva. Sentimento pode ser de afeto, de tristeza, de amor, de aversão. Não havia conotação pejorativa à priori que indicasse qualquer “perturbatio” para a razão. Ao contrário, podia mesmo servir de apoio para esta. “Pathos” para os gregos era algo suportado pela alma e a colocava em certa disposição, desta ou daquela maneira, dependendo de como era dado esse algo.


Somente no latim tardio e com os primeiros autores cristãos, “passio” começa a receber o sentido de submissão, principalmente submissão à injustiça. Com a ideia de submissão, o termo passa a ser sinônimo do verbo latino “suffrero”, que dá origem ao atual verbo “sofrer”. 


Com o caminhar da literatura cristã, paixão e sofrimento passaram a ser utilizadas largamente com o mesmo significado. Para os autores cristãos, porém, sofrimento era um mergulho apaixonado e fervoroso na direção da Graça divina.


O advento das chamadas escolas literárias após o renascimento, principalmente o Barroco e o Romantismo, conformaram a ideia de sofrimento à sua conotação negativa de padecimento, como um suportar de dores, injúrias e injustiças.


O sofrimento tornou-se, assim, a experiência quase insuportável de algo que infundadamente se tem de carregar, com todo peso amargo e desprazeroso que isso provoca. Nos tempos modernos e atuais, em que a felicidade é um consumir e usufruir constantes, o sofrimento é quase uma maldição execrável e abominável e, mais ainda, injustificável.


Por conta disto, principalmente hoje, somos inclinados a ver na Paixão de Cristo um dia de mortificação, no qual o enlutar-se é a conduta mais adequada e o entristecer-se o sentimento mais eloquente.


O exame acima mostra o contrário. O sofrimento de Cristo busca indicar um encontro. Um encontro da paixão como resgate daquela disposição da alma que nos leva ao sentido máximo de nossa existência. O sentido da existência de Cristo se deu na morte, porque com ela foi revelada sua natureza divina, seguida da ressurreição.


O sentido de nosso viver não é dado com a morte. Esta pode nos revelar o momento da nossa finitude. E essa angústia do fim pode vir a apontar para o real sentido da nossa existência. Aqui também reside o exemplo da Crucificação de Cristo.


Apartado do luto, o significado da Paixão pode ser pensado como uma reflexão sobre o sentido de nosso existir. A morte de Cristo foi sua finitude, mas foi também a plenitude de realização de seu existir, como promessa anteriormente dada. Na morte, ele se efetivou como ser que era possível ser.


Na morte, não efetivamos nosso existir. Ao contrário, é no existir que efetivamos nosso ser a cada possibilidade que se nos abre e é realizada. Na existência realizamos nosso poder-ser.


A Paixão de Cristo não é um dia para o luto, mas uma oportunidade de refletir e nos lançarmos perguntas.


Qual a plenitude de meu existir? Quais as possibilidades de minha existência? Consigo vislumbrar aquilo que posso ser? Minha disposição de alma, meu “pathos”, é a que me permite encontrar-me com meu poder-ser?


Que a Sexta-Feira Santa nos permita essas reflexões!

8 de fevereiro de 2023

ADVOGADO MORRE APÓS DISPARO COM PRÓPRIA ARMA EM HOSPITAL: HÁ IDEOLOGIA NISSO?

Quando se trata do porte de arma de fogo, 
segurança e sensatez são os fatores mais relevantes 



A infausta morte do advogado Leandro Mathias em São Paulo, após disparo acidental da própria arma, durante exame de ressonância magnética, me provoca a reflexão abaixo.


Com o devido respeito ao colega falecido e aos familiares que o perderam, a quem transmito meus profundos sentimentos, essa trágica morte testemunhará contra todo o trabalho de divulgação em que ele mesmo atuava.


Fonte: Instagram


Agora se falará do elevado número de registros que foram concedidos, da possibilidade de aumento de roubos com emprego de armas de fogo, de estatísticas mal explicadas sobre casos de aumento ou diminuição de homicídios e assim por diante.


Tolos de direita e outros tantos tolos de esquerda defenderão suas posições pré-prontas, com argumentos malcozidos e repetidamente requentados, como se o assunto coubesse apenas no campo da ideologia.


Os verdadeiros interessados no tema que admiram o utensílio e o utilizam com efetividade e sensatez em uma ou nas duas únicas funções a que servem, isto é, defesa pessoal ou prática desportiva, estes sofrerão as consequências.


Repita-se como parêntesis: armas de fogo servem a uma de duas funções, a saber, defesa pessoal ou prática desportiva.


Elas NÃO servem para: definir sua posição política; serem exibidas em festas; serem usadas em discussão de trânsito; como instrumento de agressão contra o cônjuge feminino; e, em nenhuma situação, quando a pessoa não tem preparo para o uso.


Para a CRIMINALIDADE, nada disso importa. Nem as leis, nem as regras, menos ainda o valor da vida humana.


ENTENDAM: o criminoso atual tem uma "ética" diferente da nossa. Para ele, se a vítima "REAGE", ele se vê NO DIREITO de matar. A reação? Esta não importa, pode ser um mínimo suspiro. Sua vida não tem valor para ele. E não é o estatuto do desarmamento que dita ou pode alterar essa regra "moral" dele.


Ao colega que morreu, com todo pesar que sua perda causou a familiares e amigos, ele infelizmente foi vítima, apesar de tudo, do próprio despreparo, ao portar uma arma num lugar indevido e numa oportunidade absolutamente desnecessária.


Que sua morte não seja em vão e que traga mais sensatez aos que se colocam na posição de influenciadores digitais do tema. Estudem principalmente as regras de segurança: é a SUA vida e a daqueles a quem VOCÊ AMA que estão em jogo.



---#---#---#---

Publicado originalmente no Estadão – Blog do Fausto Macedo – 08.2.2023

Link de acesso: bit.ly/3jHaE1v




*João Ibaixe Jr., advogado criminalista e ex-delegado de polícia, é licenciado e pós-graduado em Filosofia, especialista em Direito Penal e Ciências Sociais e mestre em Filosofia do Direito e do Estado


24 de dezembro de 2022

BOAS FESTAS!

 


Que o Natal seja um momento de paz e reflexão sobre o sentido da caridade!

Que o Ano Novo revigore esperanças e permita realizar os projetos sonhados!

Feliz Natal!

Feliz Ano Novo!


15 de abril de 2022

Sexta-Feira Santa: um ensaio sob perspectiva fenomenológica


Qual um sentido possível hoje para se rememorar a crucificação de Cristo ?


Cristo Crucificado - Salvador Dali
Cristo Crucificado - Salvador Dali


A Sexta da Paixão é a data que relembra e indica o percurso imposto a Jesus, precedido pela flagelação, em que carrega a cruz com a qual seria crucificado no Monte Calvário. Paixão, neste contexto, significa sofrimento e a Sexta-feira  Santa seria, assim, um dia de luto e comoção.


Paixão em seu significado comum quer dizer um conjunto de sentimentos que se opõem à razão e é um termo que vem do latim arcaico "passio”. 


“Passio” era um termo importante para a escola estoica do século III a.C., porque traduzia a ideia de “perturbatio”, ou seja, tudo aquilo que perturbava a alma do filósofo, que deveria ser “impassibilis”, vale dizer, deveria manter-se livre de qualquer perturbação ou inquietação, para fazer uso da tranquilidade da razão. Desta noção deriva-se o significado hoje atribuído comumente ao termo paixão.


Todavia, “passio” deriva da expressão grega “pathos”. Para os gregos, não havia nenhuma conotação pejorativa para o termo. Não era nenhuma perturbação ou inquietação, mas indicava a ideia de disposição da alma, que hoje pode ser traduzida por sentimento, entendida como uma disposição emocional complexa, a princípio, nem negativa, nem positiva. Sentimento pode ser de afeto, de tristeza, de amor, de aversão. Não havia conotação pejorativa à priori que indicasse qualquer “perturbatio” para a razão. Ao contrário, podia mesmo servir de apoio para esta. “Pathos” para os gregos era algo suportado pela alma e a colocava em certa disposição, desta ou daquela maneira, dependendo de como era dado esse algo.


Somente no latim tardio e com os primeiros autores cristãos, “passio” começa a receber o sentido de submissão, principalmente submissão à injustiça. Com a ideia de submissão, o termo passa a ser sinônimo do verbo latino “suffrero”, que dá origem ao atual verbo “sofrer”. 


Com o caminhar da literatura cristã, paixão e sofrimento passaram a ser utilizadas largamente com o mesmo significado. Para os autores cristãos, porém, sofrimento era um mergulho apaixonado e fervoroso na direção da Graça divina.


O advento das chamadas escolas literárias após o renascimento, principalmente o Barroco e o Romantismo, conformaram a ideia de sofrimento à sua conotação negativa de padecimento, como um suportar de dores, injúrias e injustiças.


O sofrimento tornou-se, assim, a experiência quase insuportável de algo que infundadamente se tem de carregar, com todo peso amargo e desprazeroso que isso provoca. Nos tempos modernos e atuais, em que a felicidade é um consumir e usufruir constantes, o sofrimento é quase uma maldição execrável e abominável e, mais ainda, injustificável.


Por conta disto, principalmente hoje, somos inclinados a ver na Paixão de Cristo um dia de mortificação, no qual o enlutar-se é a conduta mais adequada e o entristecer-se o sentimento mais eloquente.


O exame acima mostra o contrário. O sofrimento de Cristo busca indicar um encontro. Um encontro da paixão como resgate daquela disposição da alma que nos leva ao sentido máximo de nossa existência. O sentido da existência de Cristo se deu na morte, porque com ela foi revelada sua natureza divina, seguida da ressurreição.


O sentido de nosso viver não é dado com a morte. Esta pode nos revelar o momento da nossa finitude. E essa angústia do fim pode vir a apontar para o real sentido da nossa existência. Aqui também reside o exemplo da Crucificação de Cristo.


Apartado do luto, o significado da Paixão pode ser pensado como uma reflexão sobre o sentido de nosso existir. A morte de Cristo foi sua finitude, mas foi também a plenitude de realização de seu existir, como promessa anteriormente dada. Na morte, ele se efetivou como ser que era possível ser.


Na morte, não efetivamos nosso existir. Ao contrário, é no existir que efetivamos nosso ser a cada possibilidade que se nos abre e é realizada. Na existência realizamos nosso poder-ser.


A Paixão de Cristo não é um dia para o luto, mas uma oportunidade de refletir e nos lançarmos perguntas.


Qual a plenitude de meu existir? Quais as possibilidades de minha existência? Consigo vislumbrar aquilo que posso ser? Minha disposição de alma, meu “pathos”, é a que me permite encontrar-me com meu poder-ser?


Que a Sexta-Feira Santa nos permita essas reflexões!


20 de dezembro de 2021

BOAS FESTAS!



Que o Natal seja um momento de paz e reflexão sobre o sentido da caridade!

Que o Ano Novo revigore esperanças e permita realizar os projetos sonhados!

Feliz Natal!

Feliz Ano Novo!


 

25 de janeiro de 2021

São Paulo 467 anos!


 

Naquela manhã, do dia 25 de janeiro de 1554, em que se havia terminado a construção de um barracão no qual se instalaria o Real Colégio de Piratininga, os doze padres jesuítas que o idealizaram e nele trabalharam, celebram uma missa, presidida pelo futuro diretor. Este gesto dá origem à cidade de São Paulo. O nome escolhido fora uma homenagem à mesma data em que o apóstolo Paulo se convertera ao cristianismo.

 

Originária desta forte tradição cristã-católica, hoje abriga credos, raças e corações dotados da mais plena diversidade. Prismas, matizes, espectros, cores, ideias e sentimentos se fundem e misturam dialeticamente neste atual centro cosmopolita da maior importância.

 



Na data de hoje, a cidade celebra seus 467 anos! Quem nela reside não a consegue abandonar. Conhecendo-a ou não, o residente sente-se um preso livremente voluntário. Não há um motivo único para isso. A força econômica de um município que possui o 10º maior PIB do mundo, conforme uma pesquisa de 2009; as oportunidades de desenvolvimento pessoal; a plenitude da vida cultural, com museus, parques e monumentos, a agitação da vida noturna, quase ininterrupta que chega a confundir-se com o dia; a riqueza do espaço gastronômico de origem praticamente universal; o ativismo de movimentos políticos diversificados; a loucura produzida pela contradição do cinza do asfalto com o colorido dos carros. O choque cotidiano de pessoas que se vendo não se veem. O isolar do ritmo e o aconchego de breves contatos ou sólidas amizades que seguem o movimento impetuoso da metrópole.

 

Mesmo com a pandemia, que ainda nos assola e nos obrigou a um isolamento para que poupássemos, dentro do possível, nossos concidadãos (embora alguns não percebessem isso), mesmo mitigada, o pulsar da cidade continuou. Muitas foram as dificuldades e muitas ainda serão. Dentre elas, o eixo cultural e o gastronômico sofreram fortemente com o impacto. Os happy-hours de fim de expediente, os almoços com amigos e família, o cinema e teatro, tudo se reduziu. Houve a necessidade de encontrar um percurso dentro do que se convencionou chamar de “novo normal”. São Paulo sobreviveu, apesar de tudo. Mesmo com a lamentável perda de diversos conterrâneos, cuja ausência será sentida e ressentida pelos respectivos familiares e amigos e lamentada por todos os demais, a cidade nos empurrou a continuar e não desistir.

 

Nada explica ao certo. Mas São Paulo vive, pulsa e grita com a força de seus cidadãos e habitantes. E estes vivem dela... e, certamente, por ela.

 

Parabéns a seus 467 anos, São Paulo!




20 de janeiro de 2021

Processo Penal e Pesquisa Científica: o que eles têm em comum?

Quais seriam as relações possíveis entre o processo penal e a metodologia da pesquisa científica? Será que um paralelo entre eles nos ajudaria a compreender melhor o que se quer dizer quando as pesquisas são inconclusivas? O presente artigo tenta responder tais perguntas.

 


Como os profissionais e estudantes de direito sabem e as pessoas em geral acompanham pelas leituras da mídia, o processo penal é a disciplina jurídica que trata dos mecanismos do que se convencionou chamar de investigação criminal.


Esta investigação normalmente é dividida em duas fases, a inicial, geralmente feita pela chamada polícia e a processual, efetivada pelo judiciário.


Na maioria dos demais países, existe um sistema misto, em que a fase inicial é coordenada por um magistrado de instrução (na América Latina, nossos vizinhos têm a chamada Fiscalía). No Brasil, há um sistema específico, com a figura do delegado de Polícia, que coordena as investigações. Estas investigações, aqui no nosso país, são colecionadas num documento oficial, denominado inquérito policial. Quando se encerra a investigação inicial, da fase policial, o inquérito, depois de cumpridas certas formalidades legais, é encaminhado ao Ministério Público, onde um promotor de justiça irá examinar o cabimento da denúncia (nos demais países da América Latina, este papel é exercido pela própria Fiscalía).


Aqui se inicia o tema de interesse e destaque deste artigo.


Para se apurar a autoria do crime e condenar o suposto criminoso, realiza-se a segunda fase da investigação criminal, que é a da esfera judicial, por meio de um processo criminal, presidido por um juiz, representante do Poder Judiciário.


Este momento de apuração do crime e do criminoso chama-se processo de conhecimento, porque o juiz irá conhecer dos fatos, receber informações sobre eles, analisá-los e chegar a uma decisão final, que é a sentença.


Nas aulas de processo penal e nos bons manuais, aprendemos que uma investigação criminal judicial segue um percurso de três fases, a saber:


1. Fato (ou hipótese)

2. Verificação (provas a serem produzidas)

3. Conclusão (“verdade”, entre grossas aspas)


O fato apresentado é a hipótese dada pelo promotor na denúncia, na qual descreve por meio de uma narrativa as circunstâncias do ocorrido, os detalhes possíveis, a conduta praticada pelo acusado e a possível infração que este tenha praticado. Esta hipótese é a formalização de uma crença suportada pelo promotor, a partir dos dados iniciais apontados no inquérito policial, de que os fatos foram praticados daquela maneira pelo acusado e, portanto, este deva ser responsabilizado pelo crime.


A segunda fase é composta da verificação. Esta se traduz no que se costuma chamar de instrução criminal, vale dizer, o momento em que são produzidas provas que irão sustentar os fatos e a crença do promotor, formalizada na denúncia. Há, obviamente, todo um ritual procedimental para isto, mas são as provas o componente que fundamentará a acusação. Provas são todo o tipo de elementos, tais como, depoimentos de testemunhas, documentos, materiais diversos, laudos periciais e outros, que irão compor o processo, dependendo da natureza e complexidade do caso.


Finalmente, na fase final, chega-se à conclusão do processo, quando o juiz irá decidir sobre a culpa ou não do acusado. No processo penal, à hipótese da denúncia cabe somente este juízo de valor, a saber: culpa ou absolvição do acusado. Não é feito qualquer outro tipo de juízo sobre ele. Muitos, inclusive confundem esta questão e fazem um juízo moral do acusado, o que não é cabível. 


Nesta fase, uma doutrina mais antiga costuma dizer que o juiz alcançava a “verdade real”, isto é, aquela que tinha efetivamente ocorrido, contrapondo-a com a chamada “verdade formal” do processo civil. Hoje em dia, somente autores desatualizados falam isto (sobre o tema, recomendo o livro de Auri Lopes Jr., no capítulo respectivo). Atualmente, a "verdade" é apenas e tão-somente uma leitura possível do evento a partir das provas, a permitir que o juiz profira uma sentença sobre o caso. Se forem provas robustas, há a condenação, se não o forem, a absolvição.


A descrição acima das fases do processo penal nos permite um paralelo com a metodologia da pesquisa científica em geral, a qual não difere muito deste procedimento.


Como nos ensina a literatura sobre o tema, o cientista formula uma hipótese, a partir de uma observação, por meio de uma ou mais perguntas, busca efetivar os meios de produção de prova cabíveis e tenta encontram uma conclusão possível que responda à hipótese formulada.


A hipótese é aquela que o cientista irá tentar demonstrar com sua investigação, enquanto as provas a serem produzidas são aquelas adequadas ao tipo de hipótese formulada e que lhe permitirá chegar a uma conclusão do trabalho. Os métodos para produção da prova são variados, podendo, grosso modo, serem divididos em analíticos e experimentais. Em certas áreas do conhecimento, como a da saúde, por exemplo, o método experimental é muito importante.


Quando as provas são fracas, a conclusão é de que não há comprovação científica da hipótese. Nos trabalhos sérios, todo procedimento é descrito minunciosamente e publicado em revistas especializadas, para conhecimento da comunidade científica.


Hoje vivemos um momento em que muitos apresentam como verdadeiros certos fatos, que foram investigados cientificamente e não passíveis de comprovação. 


Assim, por exemplo, quando se diz que não há tratamento (precoce ou não) comprovado contra Covid-19, significa que nenhum medicamento testado alcançou prova suficiente de sua efetividade. Não adianta alegar que o médico X prescreveu, que o avô usou e que o vizinho foi salvo por isso, da mesma forma que não adianta o promotor querer condenar alguém sem provas.


A ciência, toda ela, tem procedimentos rigorosos e são eles que a fundamentam. Sem isso, ainda estaríamos vivendo em cavernas.



5 de janeiro de 2021

Legalizar ou descriminalizar o aborto: variações para a clareza de um debate

 

Com a aprovação na Argentina de lei que trata do aborto, volta à tona o debate sobre esta questão.

 

Fonte: Shutterstock

Percebe-se de início, já a partir da divulgação da mídia, que o tema começa mal abordado. Com efeito, ao se ler as manchetes, verifica-se a presença da expressão “legalização”. Obviamente, os veículos devem procurar termos que provoquem o maior efeito possível de atração no leitor, porém, muitas vezes uma palavra inadequada pode gerar a incompreensão do ponto central daquilo sobre o que se debate.

 

A expressão “legalização do aborto” é inadequada e, até mesmo, incorreta do ponto de vista técnico-normativo. Não se trata de “legalizar” o aborto, mas sim de “descriminalizar” certas condutas relativas ao aborto.

 

Legalizar é uma expressão técnica que significa expressar por meio de lei certa faculdade de praticar determinada conduta. A lei, neste caso, torna clara autorização cuja possibilidade de prática já era considerada faculdade possível e aceitável do indivíduo. A lei apenas regulamenta a autorização clara dessa prática, podendo prever certas condições. O exemplo clássico é o consumo do cigarro, que é legalizado, mas possui restrições, possuindo regras específicas para produção, divulgação, venda e consumo.

 

Descriminalizar é retirar certa conduta do rol de crimes, vale dizer, deixar de arrolar essa conduta como tipo penal, previsto em legislação específica, normalmente o chamado código penal. Retirar a conduta do rol de crimes, ou seja, descriminalizar, não significa que aquela conduta retirada passa a ser considerada “natural” ou livre a ser plenamente praticada. O exemplo clássico é o adultério. Até bem pouco tempo, o adultério era tipificado como crime no código penal, mas, a partir de 2005, deixou de o ser. Isso não significa que o adultério passou a ser amplamente aceito por toda a sociedade, bem ao contrário, é causa de separação de inúmeros casais de diferentes classes sociais. Com a descriminalização, o adultério deixou de ser crime, mas não se tornou conduta automaticamente autorizada, nem tampouco um direito para aquele que o pratica. A descriminalização tem um único efeito: ao retirar da legislação penal, o Estado não pode mais intervir publicamente naquela situação e o agente não pode mais sofrer nenhuma persecução de natureza criminal.

 

Essa distinção é fundamental, principalmente numa questão tão delicada quanto o aborto. Ao se alegar erroneamente a “legalização do aborto” produz-se naquele indivíduo, que possui visão de mundo diversa, reação imediata de rechaço, de contestação frontal, de repúdio e, com isso, se encerra instantaneamente qualquer possibilidade de debate.

 

Com efeito, aborto significa interrupção da gravidez com eliminação do produto da concepção. Esse produto da concepção, como se sabe, é o feto ou embrião. Esta figura do embrião é relevante para a sociedade em geral, indiscutivelmente, porque é comum os futuros pais procurarem recursos tecnológicos (que evoluíram também por conta disso) para acompanhar o desenvolvimento de seu futuro filho. É tão importante que alguns ativistas chegam a criticar o progresso de tal tecnologia porque justamente ela possibilita esse acompanhamento, até pelo olhar, o que dificulta afirmar que o embrião é só uma “coisa”.

 

Realmente é difícil hoje em dia argumentar que o embrião é um objeto qualquer e nem os cientistas que trabalham com experiências nesse campo o fazem. Além disto, está muito arraigado ao conceito de aborto ocorrer a supressão do feto, tanto que a conduta se capitula nos delitos contra a vida. É provável que a maioria das pessoas entendam haver um processo vital durante a gravidez. É também provável que muitos ativistas entendam da mesma forma, porque é comum o confronto antagônico do “direito de viver” do feto versus o “direito de decidir” da mulher (se os ativistas usam o direito de decidir como argumento, possivelmente entendem que haja um outro direito a ser superado pelo primeiro).

 

Quando se aborda a questão sob o ângulo da descriminalização – e isto é muito importante – não há a necessidade de se questionar se há vida ou não do feto. A analogia aqui pode ser feita com a legítima defesa no delito de homicídio. A legítima defesa é uma excludente de ilicitude, portanto, quando ela existe, mesmo que o homicídio esteja tipificado, mesmo que outra pessoa tenha sido morta, há uma causa que justifica a conduta e a impede de ser considerada criminosa.

 

Este é o ponto principal!

 

Não há necessidade de se pensar o debate a partir da oposição entre “pró-decisão X pró-vida”, ou conservadores e progressistas, ou ainda entre legalidade e ilegalidade. Penso que, mesmo os ativistas mais ferrenhos, não sejam a favor da eliminação do feto e posso afirmar, com certa segurança, que ninguém é a favor do aborto. Neste sentido, é possível haver pessoas que sejam contra o aborto, mas que também não queiram ver jovens gestantes jogadas na cadeia por conta do crime de aborto.

 

O que está em jogo é a descriminalização do aborto!

 

Diante da realidade brasileira, não creio que estejamos preparados para seguir o exemplo argentino, que, a propósito, não “legalizou” o aborto. Na Argentina, foi modificado o código penal, para acrescentar ao crime de aborto um elemento constitutivo de ordem temporal (em direito penal, chamado de elemento normativo do injusto). Vale dizer, não há crime de aborto, não se configura conduta típica, se a interrupção ocorrer dentro do lapso de tempo de até 14 semanas.

 

Isso não significa que a gestante, ao acordar pela manhã, vai pensar consigo, ou dizer a seu companheiro (se ela o tiver), “hoje acordei com vontade de decidir pelo aborto”. Essa decisão, como indica a prática criminal – e provavelmente a médica – não é algo fácil em nenhuma circunstância e, creio, nunca o será.

 

Dito isto, penso que o debate brasileiro deve seguir não para o acréscimo de um elemento temporal a constituir o tipo penal, mas por mais um elemento de exclusão de ilicitude, além dos existentes.

 

Só para lembrar, nossa lei não tipifica o crime quando o aborto é espontâneo (por óbvio), nem quando a gestação coloca em risco a vida da gestante (incluindo o caso do feto anencéfalo), nem quando a gravidez é fruto de violência sexual.

 

Há uma outra causa que pode ser levada em consideração: a questão social provocada pela desigualdade.

 

Aliás, este foi o fundamento da mudança da lei argentina (permitir o abortamento pela rede pública de saúde para as mulheres que não tenham condições). E é o principal argumento de diversos ativistas, de que o aborto é questão de saúde pública.

 

Sabe-se que o aborto é praticado clandestinamente. Porém, as gestantes que têm recursos o podem fazer em clínicas especializadas, sob todos os cuidados, mesmo tendo todas as condições para ter a criança.

 

Quem realmente sofre é a gestante sem recursos, que não possui emprego ou meios, que é abandonada pelo companheiro (que lhe fazia juras de amor até momentos antes da notícia da gravidez), que é abandonada pela família e pelo governo e que é execrada pela sociedade, porque “foi arrumar mais filho”.

 

Assim, a questão a ser discutida é se é possível a lei brasileira aceitar uma excludente de ilicitude, para que tais gestantes, além do enfrentamento da própria situação de angústia, não fiquem também à mercê de procedimentos de altíssimo risco e não se sujeitem a responder a um processo criminal.

 

Certamente isto depende de uma discussão bem elaborada, mas ela é mais aceitável, mesmo diante de pessoas mais conservadoras, porque, pelo menos supostamente, busca-se lutar contra a desigualdade e ninguém pode ser classificado como criminoso por ter de enfrentar sozinho uma situação tão delicada quanto esta. E fica claro, ainda, que não há nenhuma necessidade de se ser a favor do aborto para isto.


Publicado originalmente no Estado online

Para ler, clique aqui


30 de dezembro de 2020

2021: Um Ano Novo com muita saúde e um orçamento controlado!

Para o ano de 2021, é muito importante continuar cuidando da saúde, porém, não se pode esquecer de outra dimensão, a financeira, que pode complicar a vida de muita gente.


Anotamos as dicas de alguns especialistas e as reunimos para você!

Fonte: Shutterstock

Reorganização

São três etapas iniciais.

1. Faça uma revisão de todos os gastos dos últimos três meses;

2. Anote todas as receitas; se for autônomo, faça uma média de ganhos;

3. Faça uma previsão de quanto deve ganhar e gastar ao longo de todo o ano.


Com tudo anotado, em detalhes, é preciso passar um pente-fino no que é possível cortar para que sobre mais dinheiro no fim de cada mês. 

O professor de finanças da FGV, Fabio Gallo, ensina uma tática de priorização das despesas. É o que ele chama de "Orçamento ABCD":

- A, de Alimentar: especificamente os suprimentos para a família, sem supérfluos;

- B, de Básico: contas essenciais, como água, luz, gás, aluguel, entre outros;

- C, de Contornável: tudo o que faz a vida mais confortável, mas dispensável em um momento de emergência;

- D, de Desnecessário: gastos recorrentes que não fazem mais sentido (academia que não frequenta, TV a cabo que não assiste e semelhantes).

 

Depois de catalogar tudo, elimine tudo o que está na categoria D. Depois, veja tudo o que está em C e pode ser ajustado. Um exemplo é trocar uma TV a cabo com muitos canais que não se assiste por serviços de streaming que sejam mais baratos.

Algumas despesas podem estar na fronteira entre uma categoria e outra. O combustível é uma delas. Se a dependência da família pelo carro for alta, entra em Básico. Se o uso for por lazer, pode estar na categoria Contornável.


Eliminar as dívidas

Antes de pensar em juntar dinheiro, é preciso se livrar de quaisquer pendências. O final de ano dá uma oportunidade especial para a quitação de dívidas, em especial por conta do 13º salário e outras rendas típicas do momento. Para quem está endividado, não há destino melhor para o dinheiro extra que zerar os débitos.

Não se pode esquecer, contudo, que as contas do início do ano também são pesadas. Há pagamento de impostos, como IPVA e IPTU, além de contas como seguro obrigatório de carros, matrícula e material escolar para os filhos de quem frequenta escola particular.

Para o professor Henrique Castro, também da FGV, é importante saber priorizar. Deve vir à frente qualquer atraso com as contas básicas para evitar cortes, caso de água, luz, gás e aluguel.

Em seguida, vale dar preferência a bens que podem ser recuperados pelos credores. Entram neste rol os financiamentos de veículos e imóveis.

Uma outra importante medida para melhorar o orçamento é trocar dívidas mais caras por outras mais baratas. 

É ideal tentar pagar dívidas com juros altos mesmo que isso signifique pegar um empréstimo com taxas mais amigáveis. 

Michael Viriato, coordenador do centro de finanças do Insper, lembra que linhas especiais de crédito costumam surgir no início do ano para ajudar com as contas desse período. Por exemplo, a linha de crédito que permite antecipar o recebimento da restituição do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

Assim, em resumo, rever os gastos, prever o quanto irá ganhar seguramente e eliminar as dívidas.


O blog Por Dentro da Lei deseja a você um excelente 2021! 

Muita saúde, paz e dinheiro no bolso!